sábado, 20 de dezembro de 2008
VINHO - Introdução ao estudo do vinho (2)
sábado, 13 de dezembro de 2008
Os Mandamentos do Peru
Algumas pessoas acham que o peru tem presença garantida na ceia natalina muito mais por ser um símbolo da festa que pela paixão gustativa que desperta. Dizem que o tender, o pernil, o leitão e os outros pratos tradicionais do Natal são geralmente muito mais concorridos: carne tenra, umedecida, bem temperada... Enquanto o coitado do peru, com raras e honrosas exceções, chega à mesa seco, sem gosto e ainda por cima frio. Se estiver recheado, então, as chances de ter sido bem assado se reduzem consideravelmente. Na verdade, esses detratores cometem uma tremenda injustiça com a saborosa e heróica ave americana que matou a fome dos colonizadores europeus e por isso se tornou símbolo do Dia de Ação de Graças, nos Estados Unidos. Mais tarde virou ícone do Natal em diversos países e foi incorporada à ceia brasileira no século XIX.
A questão é que o peru tem, de fato, seus segredos. É muito mais difícil de ser preparado que os demais assados natalinos e requer cuidados especiais, desde o momento de temperá-lo até a hora de retirá-lo do forno. Para começar, tem dois tipos de carne, a branca do peito e a escura nas demais partes, o que significa dois tempos diferentes de cozimento, além de sabores distintos (o frango também, porém o fato de ser uma ave menor facilita os trabalhos). O tamanho do peru se transforma em desafio: quanto maior, mais demora no forno e mais tempero exige. Porém, como sua carne é muito suave, deve-se ter cuidado para não exagerar, senão o gosto se perde nos condimentos.
Outro ponto crucial: o recheio. Antes de mais nada, é preciso saber que ele não pode ser feito de véspera. Ou melhor, pode até ser preparado com antecedência, mas só deve ser colocado no peru momentos antes de ir para o forno. Ele altera completamente o tempo de cozimento. Qualquer carne recheada demora para assar. E, quanto mais ficar no calor, mais seco tende a se tornar. Uma boa saída é colocar o recheio (geralmente uma farofa rica) depois que a ave já estiver pronta, momentos antes de levá-la à mesa.
Por fim, a busca da aparência perfeita da ave muitas vezes compromete seu interior. Deixar o peru dourado e crocante, sem alguns cuidados, pode resultar em se levar à mesa uma carne seca e dura. Por outro lado, haja espírito natalino para enfrentar um peru branquelo! Controladas essas situações, a ave se torna uma atração à mesa pela delicadeza de seu sabor e maciez da carne e até pela quantidade de acompanhamentos com que pode ser combinada. Vale a pena investir em sua preparação. Sem esquecer que existem várias maneiras de fazer esse símbolo do Natal - e declarando respeito às tradições e receitas familiares dos leitores -, GULA apresenta alguns mandamentos do peru perfeito.
1. PREPARE A MARINADA
Misture 1 xícara de suco de laranja, 2 xícaras de vinho branco seco, 4 dentes de alho cortados em lâminas, 5 folhas de louro, 1 colher (sopa) de sal e 1/2 colher (sopa) de pimenta-do-reino em grãos. Coloque o peru numa assadeira, cubra-ocom essa marinada e deixe na geladeira por uma noite.
2. PASSE MANTEIGA SOB A PELE
Misture 3/4 de xícara de manteiga amolecida em temperatura ambiente com 1 colher de sopa de sálvia, alecrim e tomilho picados. Com muito cuidado, levante a pele da ave e espalhe parte da manteiga sobre a carne, sem romper a pele. Esse truque vai deixar a carne mais tenra e saborosa.
3. AROMATIZE O INTERIOR DO PERU
Pique 3 talos de salsão, 2 cenouras, 2 colheres de sopa de tomilho e sálvia. Se quiser, corte 2 cebolas ao meio e espete cravos nas metades ou use casca de laranja, que empresta seu aroma delicado à carne. Antes de levar o peru ao forno, coloque esses temperos na cavidade interna.
4. AMARRE AS PERNAS
Atar as coxas da ave com um barbante mantém o corpo firme e permite que doure de maneira uniforme. No caso das asas, basta torcê-las para baixo das coxas.
5. PASSE MANTEIGA SOBRE A PELE
Espalhe a manteiga aromatizada restante generosamente em toda a superfície da ave. Esse procedimento vai ajudar a deixar a pele dourada.
6. CUBRA O PERU
Envolva-o com uma folha de alumínio e leve ao forno por um período de uma hora a hora e meia, dependendo do tamanho. Regue-o constantemente para não ressecar e levante a folha cada vez que for regar. Para testar o cozimento, espete uma faca fina no peito da ave, se escorrer um líquido rosado e a carne estiver mole, é sinal de que ainda não assou o suficiente. Se o líquido for claro e a carne firme e branquinha, a ave está no ponto. Na meia hora final, retire o alumínio para dourar a pele.
Fonte: revistagula (181)
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
VINHO - Introdução ao estudo do vinho (1)
O vinho, por definição, é o produto da fermentação alcoólica do mosto de uvas frescas. Diversamente do homem antigo, sabemos, desde 1860 e graças a Louis Pasteur, que o vinho não é produto do acaso nem uma dádiva dos deuses, mas que essa fermentação é produzida por microrganismos. A fermentação alcoólica natural ocorre quando as cascas de uvas maduras se rompem, permitindo que as leveduras penetrem no fruto e desencadeiem o processo. Na vinificação, são as uvas frescas esmagadas que sofrem a invasão de leveduras, que atacam principalmente os açúcares da fruta, formando, a partir deles, álcool etílico e gás carbônico. Inúmeras outras substâncias vão se formar nesse processo, de acordo com a uva empregada, o tipo de levedura e de fermentação. O líquido espesso formado pelo suco da fruta, fragmentos de engaço, a casca da uva, sementes e a polpa, depois que a fruta fresca é esmagada, é o que se chama de mosto, que é a "matéria-prima" do vinho. Quando na degustação de diversos vinhos encontramos uma variedade de aromas – de mato cortado à estrebaria, passando por café, frutas vermelhas e muito mais – e sabores que podem encantar ou frustrar o paladar, isso se deve às quase 500 substâncias químicas naturais, entre alcoóis, açúcares, ácidos, etc. que sofrem uma infinidade de combinações diferentes, produzindo uma enorme constelação de vinhos, para o prazer daqueles que os saboreiam. Para garantir mais complexidade ainda à fabricação do vinho, além dos fatores ditos "químicos", agentes externos como o clima e variação do solo garantem a impossibilidade de haver duas safras idênticas, mesmo que originárias de um mesmo produtor.
- A VIDEIRA
A Ampelografia é o estudo do cultivo da videira, que, num sentido mais amplo, é definida como uma planta arbustiva trepadeira, com ramos longos e flexíveis chamados sarmentos, compreendendo milhares de variedades, sendo que pelo menos 5.000 delas estão catalogadas e menos de 50 delas interessam aos enófilos. Apesar de sua imensa variedade, destacam-se duas grandes espécies de plantas produtoras de uva: A européia, do gênero botânico Vitis e nome específico vinifera, é a videira que produz o fruto com teor de açúcar e elementos ácidos em proporções ideais para se chegar a um bom vinho. A espécie americana, cujo aroma desagradável (foxy - "raposa molhada") e o baixo teor alcoólico alcançado na sua fermentação limitam sua utilização na produção vinícola, tem seus frutos empregados como uvas de mesa ou para a produção de vinhos de baixa qualidade. A importância dessa espécie decorre de sua aplicação na enxertia, para o fortalecimento das videiras, já que há mais de um século não se faz mais o plantio em pé franco, ou seja, deixou-se de lado a prática de retirar a vara de uma videira mais velha e enfiá-la diretamente no solo para se conseguir uma planta nova, adotando-se a técnica chamada "cavalo". A enxertia surgiu como a mantenedora da existência de bons vinhos, ao garantir o surgimento de videiras híbridas em substituição às originais dizimadas pela praga filoxera. No final do século XIX, entre os anos de 1865 e 1885, um inseto minúsculo, medindo não mais do que um milímetro e batizado com o nome de Phyloxera vastatrix, foi responsável pela mudança completa da vitivinicultura européia, já que arrasou os parreirais daquele continente. Como a Vitis vinifera é vulnerável ao ataque dessa praga, criou-se a prática de plantar a resistente videira americana que, depois de um ano, sofre um corte no caule para que se faça o enxerto de uma vara ou sarmento da videira européia. Assim se consegue uma videira imune à filoxera e que produz bons frutos para a vinificação, o porta-enxerto americano (cavalo) funcionando como simples condutor de seiva e a videira européia (cavaleiro) contribuindo com a parte genética para garantir a qualidade da uva e, portanto, do vinho. A videira só dá bons frutos para a vinificação depois do quarto ou quinto ano de seu plantio, produzindo por mais 25 ou trinta anos. No Chile, excepcionalmente, existem videiras centenárias ainda férteis, graças ao solo especial e porque os parreirais chilenos não foram atingidos pela filoxera, protegidos que foram pelo clima excessivamente seco e pela barreira da Cordilheira dos Andes.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Filet com batata sautée e molho de mostarda
INGREDIENTES (4 porções)
4 bifes de filet mignon de 200 g cada um
3 raminhos de tomilho (pique as folhinhas)
3 raminhos de alecrim (pique as folhinhas)
1 cebola grande picada
150 g de manteiga
2 colheres (sopa) de mostarda de Dijon
2 colheres (sopa) de mostarda de Dijon em grão
4 colheres (sopa) de creme de leite fresco
10 batatas (prefira as de casca rosa)
100 g de óleo de oliva
2 dentes de alho amassados
Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
Decoração
Raminhos de alecrim
PREPARO
Tempere os filets com as ervas picadas, o sal e a pimenta. Reserve. Numa panela, refogue a cebola em 50 g da manteiga, deixando dourar. Junte as duas mostardas e finalize com o creme de leite. Espere levantar fervura e reserve.
Descasque e corte as batatas em rodelas finas.
Numa frigideira, aqueça 50 ml do óleo de oliva com 50 g da manteiga. Doure as batatas aos poucos, virando-as de um lado e depois do outro. No final, tempere com sal, pimenta e alho. Retire e deixe escorrer em papel absorvente.
Numa frigideira antiaderente, aqueça a manteiga e o óleo restantes. Salteie os filets no ponto desejado e sirva com o molho de mostarda. Ao lado, disponha as batatas. Decore com o alecrim.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Filet Mignon - A consagração da maciez
Ele é sinônimo de coisa boa. Quando os adjetivos faltam para definir um produto considerado pelo vendedor melhor que os outros, lá vem a frase para convencer os reticentes: "Mas isso é o nosso filet mignon!".
E tudo parece esclarecido. Além disso, tem a vantagem de ser macio e, portanto, amigo dos dentes, pouco importando se o animal não teve a vida mansa ou uma linhagem nobre. É um músculo particular, localizado abaixo das vértebras lombares do boi. Sua carne se apresenta extremamente tenra porque o animal praticamente não a movimenta durante a locomoção. Mas não constitui unanimidade: muitos costumam ignorar-lhe o sabor por não ter gordura. E torcem o nariz para seu uso no churrasco.
Basicamente, existem dois tipos de cortes o Chateaubriand, obtido na chamada "cabeça" do filet, a parte mais grossa; e o medalhão, na central, bonito como ele só, redondinho e suculento. Aqui se faz necessária uma explicação. Foram os franceses que aperfeiçoaram o corte. Detalhe semântico: "filet mignon", para eles, é o lombo de porco; chamam de "filet de boeuf " a carne objeto deste texto. Pois bem, retirada a pele prateada que envolve a peça inteira, sobra uma carne limpa e apetitosa. Usando o centro dela, que fornece porções uniformes, os franceses criaram três cortes distintos.
Quando deixam o pedaço com no mínimo 1,5 centímetro de altura e entre 110 e 120 gramas, nomeiam-no medalhão. Com 4 centímetros e 180 gramas, passam a denominá-lo tournedos. Se o tamanho dobra, fazendo-o alcançar de 300 a 350 gramas, recebe o nome de Chateaubriand (mais adiante explicaremos por quê).
No vídeo de sua autoria, em que explica o fundamental do churrasco, o mestre paulista GuardaBassi afirma que as peças do filet devem ser temperadas com sal não muito grosso e, segredo maior, colocadas próximas à brasa (15 centímetros) em calor forte, para que fiquem bem "seladas" por fora e suculentas por dentro. Por este termo se entende, para sempre, uma carne mal-passada ou no máximo ao ponto, adverte o churrasqueiro, que fica arrepiado por outro motivo, aquele mesmo, quando ouve de alguém o terrível pedido: "Para mim, bem passada, por favor".
GuardaBassi esteve há pouco tempo (e corajosamente) na "pátria" do churrasco, o Rio Grande do Sul, e conta divertido que, ao longo de sua palestra em Viamão, perto de Porto Alegre, um homem quis saber o que achava do filet mignon na sagrada brasa. Olhares desconfiados foram dirigidos ao indagador, que chamou a atenção por seu sotaque diferente. "Era um carioca no meio de mais de 30 gaúchos, que normalmente acham o filet uma carne de boiola...", sublinhou o mestre paulistano. "Respondi que ninguém faz churrasco tão bem como os gaúchos, mas seu domínio é com os assados, não com os grelhados." E explicou que a convivial cultura gaúcha demanda normalmente grandes peças para muita gente, as quais precisam ser assadas com paciência, enquanto os cortes menores e selecionados vão à grelha por poucos minutos, exigindo muita atenção quanto ao ponto. Caso específico do filet mignon.
A pergunta foi inevitável e a resposta incisiva: "Sim, eu fiz um churrasco com ele e todos gostaram!".
Esse resgate na brasa constitui algo natural para GuardaBassi, lembrando que há 50 anos a qualidade da matéria-prima no Brasil era muito ruim, e esse corte "salvava" a honra dos churrasqueiros. A técnica da maturação da carne e a prática atual do abate de animais mais jovens ainda não haviam "descoberto e amaciado" a picanha, por exemplo, que viria a fazer tanto sucesso. "Naquela época, criava-se boi; hoje, cria-se carne", diz, indicando que a melhoria genética tornou o filet mignon ainda mais interessante do ponto de vista culinário e que a ausência de gordura não o torna menos gostoso que outras partes do boi. E seu sabor bem definido, aliado à extrema maciez, pode dispensar os copiosos adereços que sempre estiveram atrelados a ele.
Muitos pratos à base desse corte bovino ficaram conhecidos ao longo do tempo, oriundos sobretudo da cozinha francesa. Talvez o mais emblemático prato de filet surgiu por obra de Adolf Dugléré, chef do mítico Café Anglais, de Paris, amigo do compositor Giacomo Rossini (1792-1868). Certa noite, o cliente pediu ao cozinheiro, a quem chamava de "Mozart da cozinha", que criasse uma receita na hora, improvisando ali no salão. Uma das versões diz que, meio constrangido, Dugléré afirmou que não conseguiria se concentrar direito ali diante dele, e Rossini exclamou: "Eh bien, faites-le tourné de l'autre coté, tournez-moi le dos". (Pois bem, faça-o virado do outro lado, fique de costas para mim.) Esse tournez-moi le dos teria dado origem, segundo historiadores, ao tournedos, medalhão grafado em alguns de nossos cardápios mais simplórios como "turnedô". No caso do prato inventado por Dugléré, é servido com foie gras e trufas por cima, sobre uma fatia de pão, finalizado com vinho Madeira (ou Porto) deglaçado na frigideira em que a carne foi dourada.
Uma das cenas marcantes do recente filme Piaf - Um Hino ao Amor mostra o primeiro encontro da notável cantora com o grande amor de sua vida, o boxeador Marcel Cerdan, num restaurante fino. Ele desajeitadamente pede sanduíches, e ela recusa, óbvio. Pede o cardápio ao maître e comanda: "Traga-nos dois tournedos Rossini". A cozinha francesa clássica dignificou o filet mignon com molhos de várias naturezas, alguns célebres, como o béarnaise, teoricamente originário de Béarn, nos Pirineus, feito em banho-maria com gema de ovo, manteiga, vinho branco e ervas frescas. Mais exemplos: o filet à Diana, ao molho de mostarda; o dijonnaise, com mostarda, creme de leite, vinagre e molho rôti; e o au poivre, evidentemente coberto de pimenta. Os franceses também conceberam o filet en croûte, com a parte central da peça sendo coberta por massa folhada ou de brioche, levada ao forno e depois fatiada; e o sauce périgueux, em que a carne é "picada" com lâminas de trufa (do Périgord, naturalmente) e servida com um molho em que entram cognac, vinho branco, caldo de carne e... trufas.
O Chateaubriand, como o conhecemos, tem origem imprecisa: pode ter sido criado pelo cozinheiro do antropólogo François René de Chateaubriand (1768-1848), chamado Montmireil, em homenagem ao patrão, ou nasceu em tempos imprecisos na cidade de Chateaubriant, no Departamento do Loire-Atlantique, um dinâmico centro francês de criação de gado bovino que tem uma confraria de vistoso uniforme e muito apetite chamada Academia do Chateaubriant. Lá, esse corte pode ser servido com molho béarnaise ou de vinho tinto, mas aqui no Brasil se tornou conhecido através de uma receita farta, o filet Chateaubriand ao molho Madeira, flambado com vodka, molho do vinho com champignons e acompanhado por arroz à grega e batata palha. Existe também um prato, que fez muito sucesso nas décadas de 50 e 60, hoje meio cafona, elaborado com as aparas do filet - o strogonoff -, antiga glória dos bufês de casamento. Quem não conhece? Por conta de certos exageros do passado, é bem-vinda a redescoberta do filet mignon em sua acepção mais simples, grelhado na brasa. Nesse caso, só com sal - e sem preconceitos.
Publicada na edição 182 (Dezembro/2007) da Gula