quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O azeite na cozinha



Presente nas receitas gastronômicas ocidentais desde 1200 a.C., o óleo de oliva tem alimentado dúvidas, mitos e preconceitos. Ainda hoje se fala que um azeite extravirgem não deve ser usado em frituras, pois se submetido a altas temperaturas seria nocivo à saúde. Houve quem desaconselhasse seu consumo por se tratar de um óleo, uma gordura. A verdade é que, passados mais de 30 séculos do início da utilização do óleo de oliva nas antigas cozinhas fenícias, a nobre arte da olivicultura chega a nossas mesas endossada pela ciência como uma fonte de saúde e longevidade, comprovando o senso empírico dos povos mediterrâneos antigos.

Contudo, não basta abrir uma garrafa ou uma lata de azeite e despejá-la sobre o alimento. Há cuidados que devem ser tomados, da escolha do produto à forma de empregá-lo. Se a gastronomia é a expressão artística da culinária, o azeite é, seguramente, uma das ferramentas que possibilitam essa transformação.
São comuns as críticas que recebemos por usar o óleo de oliva em abundância, tanto na cozinha de casa como na de meus restaurantes. Realmente, a única desvantagem percebida é de caráter econômico: um azeite custa em média dez vezes mais que um óleo de cozinha refinado. Daí por diante, as vantagens dele sobre o outro são infinitas. Nuñez de Prado, um produtor renomado do sul da Espanha, ensinou-me que o azeite confere ao alimento uma capa de proteção contra a penetração da gordura. Quimicamente, enquanto a resistência de calor de um óleo comum se situa em torno dos 180 graus centígrados, a de um azeite pode chegar a 220 graus. Isso permite que o óleo de oliva seja utilizado por mais tempo que o comum, preservando as características da comida. Na prática, ao se comparar um peixe frito em azeite com outro frito em óleo de cozinha, o resultado é que o primeiro estará mais sequinho por dentro, mais apetitoso por fora, além de mais perfumado e muito mais saboroso.





Tipos e variedades:

Existem cerca de 270 tipos de azeitonas e somente 24 são regularmente utilizadas na produção de azeites.
Cada país tem seu tipo característico:

• Espanha (Picual)
• Portugal (Galega)
• Argentina (Arauco)
O Azeite de Oliva é classificado com base nas suas características organolépticas (sabor e aroma), analíticas (acidez e outros dados químicos) e pelo processo extrativo e dividido, basicamente, em 3 tipos:

AZEITE EXTRA VIRGEM
Obtido através da extração por processo de prensagem mecânica das azeitonas.
• Com aroma e sabor impecável, apresenta menos de 1% de acidez.

AZEITE VIRGEM
Obtido através da extração por processo de prensagem mecânica das azeitonas.
• Sabor e aroma marcantes com acidez abaixo de 2%.

AZEITE PURO
• Composto por azeite refinado e azeite virgem, apresentando menos de 1,5% de acidez.

As frações obtidas através da extração por processo de prensagem mecânica das azeitonas, que possuem acidez acima de 3,3% de acidez são refinadas para eliminação de defeitos, como acidez elevada e sabor e aroma desagradáveis. O azeite refinado é então utilizado para formar o Azeite de Oliva.




De suave a intenso, o critério sensorial deixa de ter importância na hora da escolha do produto a ser usado para cozimento ou fritura. Qualquer que seja a preferência, do azeite extravirgem ao comum, a elevação da temperatura acima dos 40 graus faz com que libere totalmente suas propriedades aromáticas. O que importa é que seja um produto legítimo, o que garantirá a proteção do alimento. O grande segredo, contudo, está nos últimos momentos da preparação (ou nos primeiros da finalização). Um costume francês que aprendi com o chef Yann Corderon, do restaurante mediterrâneo Azait, de São Paulo, de minha propriedade, é que o alimento deve ser regado com azeite extravirgem poucos instantes antes de ser retirado do fogo. Essa sábia lição tem por objetivo conferir um novo toque de aromas e perfumes, proporcionando inigualável frescor, até mesmo no caso de uma fritura.

"Qual o melhor óleo de oliva do mundo?" Eis uma pergunta que ouço muito. Curiosamente, o ouro líquido é assumido como símbolo nacional por diversos povos mediterrâneos. Por extensão, o ufanismo leva-lhes a crer que seu azeite é também o melhor do mundo. Em realidade, através de três milênios de formação cultural do Mediterrâneo, cada região desenvolveu sua peculiaridade culinária levando em consideração as características gustativas e aromáticas de seus alimentos e ingredientes - dentre eles o óleo de oliva. Assim como o aroma de um vinho depende de seu terroir, o mesmo ocorre com o óleo de oliva. De acordo com as condições ambientais, ele possuirá um perfume próprio e único. Dessa forma, para finalizar um preparo tipicamente grego, o melhor do mundo será um azeite proveniente da Grécia.
Na Catalunha, o óleo de oliva é presença obrigatória no café-da-manhã, acompanhado de torradas e pasta de tomate. Com menos sutileza, os egípcios também se servem do produto nas primeiras horas do dia - e em grande quantidade -, a fim de conferir aroma e cremosidade ao foul, o tradicional prato matinal de favas brancas amassadas com ovos e cebolas picadas. Para nós, brasileiros, o mais comum é a utilização do azeite com pão ou em saladas (como o tabule libanês - ou seu primo turco, a salada kisir, que ilustra esta reportagem).

Contudo, a globalização da gastronomia nos traz ricos conhecimentos, que ensinam a harmonizar o óleo de oliva com pratos principais (como o psari plaki grego) e até mesmo com sobremesas (como a bavaroise de citron francesa). Afinal, a relação dos aromas e sabores de um prato e de seu azeite deve convergir na mesma direção: a harmonia dos perfumes, que transforma a gastronomia em arte.